Tempo Coberto: 2010 a 2020
Local: Brasil, Reino Unido e Portugal
Quando ouço meu marido Albert e minha amiga Beth Lima conversarem animadamente sobre as numerosas pessoas que eles conheceram na cidade de Belo Horizonte, isso
me faz perceber que eu conhecia muito pouca gente. E lembro-me de que éramos evitados lá por pessoas que não gostavam do meu pai. Mas Beth e Albert não sabem o que aconteceu conosco e frequentemente me irritam perguntando se eu
conheço as várias pessoas sobre as quais eles conversam.
À medida que cresci, continuei sendo difamada, mas eu comecei a não notar o nosso afastamento,
ou talvez isso já não tenha feito tanta diferença para mim, pois eu podia ir a festas em clubes, embora sempre acompanhada por minha mãe. As pessoas hoje em dia não entendem que o mundo então era muito diferente, quando
jovens permaneciam virgens até se casar, e que se comportar de outro modo era verdadeiramente muito sério. E sugerir que uma jovem mulher se comportasse de outra maneira era muito afrontoso e ofensivo.
Até hoje em dia, quando estou em Belo Horizonte, eu percebo pequenos sinais de que eu não sou respeitada, que minhas palavras são questionadas ou que algo inapropriado é esperado de mim. Recentemente, em um
jantar em que meu marido e eu contamos a alguém sobre nossa história de amor platônica, que aconteceu quando ainda estávamos na adolescência, essa pessoa exclamou: "Isso certamente não é verdade!" Em outra ocasião,
um médico nos fez uma visita para ver meu filhinho que estava doente. No final da consulta, ele me perguntou como eu estava. Eu disse a ele que estava bem e que seguia o seu conselho sobre fazer exercícios. Apontando para outra sala, convidei-o
para ver o que havia colocado nela. Ele olhou para mim como se tivesse receio de entrar lá. Mas quando convocou a coragem, eu lhe mostrei a esteira que eu havia comprado.
Mas
após os anos de tortura, tendo que escutar sobre as consequências legais da vida extraconjugal de meu pai, assim como ter que sobreviver a muitas coisas desagradáveis, como ameaças pessoais, acusações falsas e difamação
de caráter, aprendi a lidar com o estresse de uma maneira que não me faça perder a força.
A técnica mais importante que utilizo é aproveitar
os poderes curativos do sono. Então, quando ouço notícias muito ruins, eu me sinto logo cansada e, assim que possível, recuo à solidão. E em um quarto silencioso e escuro, deito-me em uma cama confortável até
o sono de exaustão traumática assumir o controle. Não há nada como longas horas de sono ininterrupto, de preferência mais de oito, para restaurar o corpo e a mente.
A leitura é outra forma saudável de fuga da qual eu me beneficiei a maior parte da minha vida. A profunda concentração na história que está sendo lida traz alívio ao cérebro, permitindo
que ele esqueça por algum tempo o tormento pessoal. E, nos últimos anos, encontrei mais um modo de mudar meu foco mental. Passo longos períodos escrevendo, não apenas para entender a sequência de eventos que causou tanta angústia,
mas também para reforçar a convicção de que minha escrita um dia ajudará em minha defesa.
Para serem eficazes, essas três técnicas
devem ser exercitadas em um ambiente agradável, a fim de alcançarmos um nível de relaxamento semelhante à meditação. Para a técnica do sono, o meu quarto deve ser não apenas confortável e organizado,
mas também bonito. No caso da leitura, o livro que estou lendo deve ser interessante, e no caso da redação, essa deve ser para mim satisfatória, para deixar-me em constante estado de entusiasmo. Quando pequena, lembro-me de minha
avó Teresa dizer que dormir era a melhor coisa do mundo. Na época, eu não conseguia entender isso, e disse-lhe que dormir demais era uma perda de tempo. Embora eu ainda não tenha a idade que ela tinha na época, agora acredito
que ela estava certa.
Mas quando me casei com Hades, o sono se tornou um osso de discórdia. Sendo quem ele era, Hades não precisava de muitas horas de sono, e sua Perséphone
não gostava de ter seu descanso perturbado. Consequentemente, tínhamos discussões sem fim e inúteis sobre o assunto do número correto de horas de sono necessárias para uma pessoa normal. E depois de todos esses anos,
eu ainda acho que a felicidade depende em grande parte de uma boa e longa noite de sono, após a qual os problemas do dia anterior são compartimentados e ordenados na mente, ficando mais claros como consequência. Pobre Hades! Eu me pergunto
se ele ainda é atacado por noites atormentadas e sem dormir.
O Buda Gautama, que viveu no leste da Índia por volta do século 5 AC, ensinou a seus seguidores
que a infelicidade deriva do hábito incessante de julgar cada experiência como agradável ou desagradável, e por estar-se muito preocupado com essa classificação. Enquanto Epíteto, filósofo estoico de língua
grega (c. 55-135 DC), nascido escravo em uma área que agora faz parte da Turquia, ensinou que eventos externos são determinados pelo destino e, portanto, estão fora de nosso controle. Mas que somos responsáveis por nossas próprias
ações, que devem ser guiadas por autodisciplina rigorosa. E ele escreveu: "Faça o melhor uso do que está ao seu alcance, e aceite o restante como acontece".
Muito
mais tarde, em 1801, Friedrich Schiller advogou: "Bem-aventurado aquele que aprendeu a suportar o que não pode mudar e a abandonar com dignidade o que não pode salvar". Mas é realmente difícil aprender com esses grandes mestres.
Na Inglaterra, a partir de 2010, eu fiz uma série de cursos sobre poesia em uma escola chamada Citi-Lit. Em uma dessas aulas, éramos convidados a compor versos curtos e instantâneos sobre vários assuntos. Alguns dos temas sugeridos
foram:
Luto
Preto e cinza alcançam colinas distantes
Ao
horizonte, nuvens escondem o sol
Da vista, e sombras pintam as cores
Do
céu, trazendo ameaça à paz,
Anunciada por sons discordantes.
© A.L.P. Gouthier, 2010
Esperança
O dia amanhece e luz aparece
Noticiando o futuro a chegar,
Adágio tranquilo traz esperança,
Emerge na mente a vida guiar.
Seguindo
caminho por sonhos criado,
As cores em volta conduzirão.
O azul
do céu ou verde amado
A encontrar a rota me levarão.
© A.L.P. Gouthier, 2010
Agora
devemos insistir no assunto da felicidade. Isso foi definido como um estado mental passageiro associado principalmente a emoções positivas e agradáveis. Várias abordagens biológicas, psicológicas, filosóficas
ou mesmo espirituais tentaram explicar a felicidade ou identificar suas fontes. Há, no entanto, aquele aspecto da felicidade que depende apenas de nós para mantê-la viva, e que retém nossos espíritos em um estado elevado de
entusiasmo.
Em outro dia eu escrevi:
Felicidade
Quando feliz tento granjear
Nessa
atitude tempo, ganhar
Forças criando em barragem,
Medo tornando
em coragem.
Guardando força em dias bons,
Nos maus oculta-se o tom,
Para o escuro não tecer
E a tristeza não crescer.
Em dias guiados pelo mal,
Viver em limbo sem o sol,
Evitando
ações, opções,
E fugindo de decisões.
Quando o sol volta a brilhar,
A aura torna a cintilar,
E arco-íris colorir-se
Para a vida então seguir-se.
© A.L.P. Gouthier, 2010
O Dr. Amit Sood, que é autor do livro O manual da Mayo Clinic para a felicidade: Um plano em quatro etapas para uma vida resiliente, liderou pesquisas sobre como aumentar o humor positivo
e aproveitar o máximo de nossos pontos fortes. Ele disse que 40 a 50% de nossa felicidade depende das escolhas que fazemos, e de onde colocamos a ênfase de cada dia. "Pode-se optar por viver, concentrando-se no que é certo e bonito em sua
vida", diz o Dr. Sood, "pois a felicidade é um hábito. Para alguns de nós, esse hábito é uma inclinação natural; para outros, é um comportamento aprendido.”
O mesmo pode ser dito sobre a tranquilidade. Devemos determinar o que nos traz paz de espírito e, tanto quanto possível, viver em um ambiente que nos ajude a alcançar a nossa paz. Consequentemente,
é imperativo que evitemos estudiosamente pessoas ou situações que possam causar tensão. Assim como um casulo é necessário para a lagarta se transformar em borboleta, e um covil aconchegante ajuda os ursos a sobreviverem
aos invernos congelados, eu preciso me cercar de ordem, beleza e silêncio para manter meu equilíbrio. Dou muita atenção à decoração de minhas casas de uma maneira que me agrada, sem preocupação
com a moda, e as mantenho na ordem mais perfeita. Assim, especialmente quando o silêncio reina, estou em paz.
Nossa personalidade é a combinação e organização
de nossas tendências e atitudes comportamentais ou emocionais, que formam nosso caráter específico e nos tornam quem somos. Já foi dito que a mente da maioria das pessoas tende a se concentrar principalmente em experiências
negativas, enquanto os verdadeiros otimistas tendem a ver um copo meio cheio ao invés de meio vazio. Esta é uma característica que certamente afeta a saúde mental e física.
Não tenho certeza se sou frequentemente afortunada ou uma otimista inveterada, mas para mim as coisas sempre acabam sendo melhores. Posso pensar em tantas ocasiões em que fui felizmente salva da adversidade por algum evento
inesperado. Ou seria eu sempre capaz de fazer a escolha mais favorável possível, convencendo-me de que essa era a melhor para mim. As pesquisas mais recentes mostram que o otimismo, com uma dose de realismo, é a melhor maneira de promover
a resiliência e realizar os objetivos. Portanto, apesar de sempre atenta às más intenções das pessoas, e tentando habitualmente ler suas mentes através da estrita observação da linguagem corporal, eu invariavelmente
acabo tirando algo de positivo das situações difíceis.
Eu tive que aprender a viver com todo o desagradável abismo que cercou a minha família para
não permitir que isso abafasse o meu espírito e destruísse a minha vida. Mas eu também definitivamente batalhei para encontrar um ambiente no qual o anonimato facilitasse minha satisfação.
Se –
Se
podes manter a cabeça erguida enquanto
Todos perdem as tuas e lhe culpam,
Se podes confiar em ti mesmo enquanto todos
O duvidam, mas entender também;
Se esperas sem nunca se cansar,
Ou, enganado, ainda não mentir,
Ou odiado, também não odiar,
E não brilhar, quando explicar:
Se podes sonhar – não sendo controlado;
Se podes pensar – sem disso sua meta;
Se podes enfrentar Triunfo e Desastre
E tratar a ambos por igual;
Se podes suportar a verdade que falaste
Torcida em armadilhas pelos tolos,
Ou ver destruído aquilo que criaste,
E inclinar-se com armas desgastadas:
Se podes
ver um monte de teus ganhos
E arriscá-los em uma só jogada,
E
perdendo, começar de novo
E nada mais dizer da tua perda;
Se podes
forçar o teu coração,
A te servir após tudo partir,
E suportar quando então vazio
Exceto a vontade que diz: 'Viver!'
Se podes falar mantendo virtude,
Andar com reis –
sem se exaustar,
Se nem inimigos podem machucá-lo,
Se todos com
si só um pouco contam;
Se podes preencher cada minuto
Com todos
os segundos percorridos,
A Terra é tua com tudo o que tem nela,
E
mais que tudo – és um Homem!
Rudyard Kipling, 1865-1936
Tradução por A.L.P. Gouthier
No hemisfério sul, o ciclo anual se inicia em março, quando as férias de verão terminam, o Carnaval já passou e um novo ano escolar está começando. Mas no hemisfério norte é
setembro que marca o início do ciclo anual, quando as pessoas voltam das férias e começam as aulas, os turistas partem para as suas casas e a vida volta ao seu ritmo normal. E em breve as folhas começam a mudar de cor para os amarelos
e vermelhos do outono. Eu amo essa temporada mais do que todas desde quando fui para a universidade na Pensilvânia e depois em Massachusetts.
Que lugar melhor do que a Nova
Inglaterra para se apaixonar pelas cores da natureza? Lugar algum! Lá, quando o inverno chegava, flocos de neve pesados dançavam fora de minhas janelas ou giravam sobre o rio Charles, enquanto os rebocadores passavam carregando suas cargas. Naquela
época, minha vida estava feliz e eu estava entusiasmada com as minhas realizações, apesar de ter um grande volume de trabalho que nunca diminuía semana após semana.
Alguns anos depois, na velha Inglaterra, aprendi a amar as flores da primavera que duravam através dos dias de um verão fresco e, em seguida, o ciclo recomeçava com o outono. Essa parte de mim que se apaixonou pelas estações
do norte ainda pensa em inglês e agora tem poucas pessoas com quem conversar diariamente no idioma de minha mente. E, portanto, eu falo silenciosamente em inglês através da composição original de meus livros. E mesmo agora
que escolhi Lisboa como minha casa europeia secundária, para me deleitar em primaveras quentes, verões tórridos e outonos coloridos na minha linda casa na região das amoreiras. E, todo ano, quando chega o inverno, eu retorno a Londres,
que é onde vive o meu coração.